A bacharel em direito Giseli Soeiro, 38 anos, está desde 2016 esperando por um transplante de rim. Com doença renal crônica, ela é obrigada a fazer ao menos quatro diálises por dia para se manter saudável. A moradora de Caxias do Sul (RS) quase desistiu do tratamento, precisou superar o medo de agulhas e aprendeu na marra a fazer diálise sozinha, em casa.
Ao acordar, no horário de almoço no trabalho, no fim da tarde e antes de dormir, ela se conecta às bolsas que filtram seu sangue enquanto aguarda pela chegada de um órgão compatível. A espera já dura oito anos.
Giseli descobriu ter doença renal crônica aos 17 anos. Ela procurou um hospital quando começou a sentir cansaço extremo e a ter sangramentos no nariz — lá, descobriu que estava com falência renal e que deveria começar a fazer hemodiálise imediatamente. “O médico jogou tudo em mim de uma vez. Fui ao hospital desacompanhada e, quando vi, ele já estava me dizendo que eu podia ter morrido”, lembra.
Doença renal crônica
A doença renal crônica (DRC) em geral acomete pacientes com pressão alta ou diabetes descontrolada, o que não era o caso da jovem. Ela pertence ao pequeno grupo de pessoas com doenças próprias do rim (inflamatórias ou autoimunes) que levam à progressiva deterioração do órgão. Até infecções comuns podem se alojar silenciosamente e comprometer o rim.
“Na maioria dos casos, a DRC é assintomática e os sinais aparecem quando o órgão já está muito lesionado. Só quando está com menos de 50% do seu funcionamento, por exemplo, é possível perceber em exames de sangue que há um comprometimento do rim”, explica o nefrologista Osvaldo Simões Pires Von Eye.
Naquele mesmo ano, Giseli recebeu a doação de sua mãe, que era compatível, e passou pelo transplante. Tirando as medicações para evitar a rejeição do órgão e os cuidados naturais de quem tem apenas um rim, ela viveu “seus melhores anos”.
“Eu era livre, podia fazer o que quisesse, viajar, estudar. Mas, após 12 anos, o órgão recebido começou a falhar, os sintomas que eu já conhecia voltaram e foi um novo baque”, conta.
Giseli tem muito medo de agulhas e a ideia de voltar a fazer as hemodiálises a fez desistir do tratamento. “Disse para o meu médico que não queria fazer nada, que não seguiria os tratamentos. Ele se desesperou e passou dias tentando me convencer a voltar a fazer as diálises, prometendo que o processo havia evoluído muito desde a primeira vez que eu precisei passar por aquilo. No final, ele me convenceu”, lembra.
Diálise peritoneal
Enquanto aguarda por um novo transplante, a bacharel faz um tipo diferente de diálise, a peritonial. Ela possui um catéter na barriga, onde encaixa manualmente bolsas que equilibram os compostos tóxicos do corpo em um processo que demora cerca de 15 minutos.
Na diálise peritonial, é feita uma filtragem em pequena escala do sangue, usando bolsas de soro que capturam por osmose os compostos tóxicos que circulam no sangue, imitando a função do rim no organismo. Na hemodiálise tradicional, este processo é mais longo, e todo o sangue do corpo passa pelos filtros de uma máquina ao longo de horas.
“Com a necessidade, a gente se acostuma. Vamos fazendo a troca das bolsas, mantendo a limpeza do catéter e cuidando para seguir à risca o processo que me ensinaram. Por sorte, todo o material é entregue pelo SUS na minha casa e eu consigo ter mais liberdade e qualidade de vida do teria se tivesse que ir todos os dias a um centro de saúde para fazer a hemodiálise”, afirma.
A diálise peritonial é feita por apenas 3,5% dos pacientes renais crônicos do SUS, segundo uma estimativa de 2023 da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN). A Federação Nacional das Associações de Pacientes Renais e Transplantados do Brasil (Fenapar) espera que este número chegue a 20% nos próximos anos e tem feito campanhas de capacitação entre os pacientes para que eles se sintam seguros para migrar ao tratamento feito em casa. Com ele, há menos deslocamentos, menos risco de infecções e um melhor controle da DRC do que com a hemodiálise tradicional.
A espera do 2º transplante
Apesar das dificuldades relacionadas à necessidade de fazer diálise quatro vezes ao dia, Giseli faz o possível para manter a rotina. “Se eu parar com meu ritmo, acho que caio de uma vez. Então, vou me mantendo sempre ativa”, conta. Ela pratica vôlei, muay thai e frequenta a academia, além de trabalhar.
“Faço tudo, viajo, não deixo de viver, mas claro que faço as coisas de forma mais lenta, mais cansada. Também preciso fazer reposição de hormônios a cada quatro dias e cuidar de toda a medicação, mas é isso que tem me permitido viver enquanto espero o transplante. Não posso ficar parada, tenho que seguir em frente”, aponta.
Os segundos transplantes, como o que Giseli aguarda, possuem complicações específicas, já que o corpo foi exposto a medicamentos para evitar a rejeição do órgão por anos e dificilmente aceita um novo rim. Por isso, é preciso que o doador novo seja extremamente compatível.
“Já estive ali na fila, no páreo, umas cinco vezes, mas transplante é loteria e sabemos que há muita gente na mesma expectativa que eu. Espero conseguir um doador para voltar a ter minha liberdade, mas não quero viver minha vida esperando algo que pode nem chegar”, conclui.
Foto: Acervo pessoal
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